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O piso respeitual

31 agosto, 2017

De novo saiu uma daquelas pesquisas que jogam um balde de água fria na esperança dizendo que um a cada três brasileiros acredita que mulher que usa roupas provocativas não pode reclamar se for estuprada. Considerando que a pesquisa tenha sido feita dentro de todas as regras formais de pesquisa e que os mais de 60% dos brasileiros que são analfabetos funcionais (e não sabem diferenciar informação de opinião) puderam entender bem a pergunta e respondê-la de forma clara, vou abrir espaço para falar de uma coisa que há muito tempo vem me encasquetando: aquele mínimo de respeito que devemos a todos. Todos!

Como este ainda é um blog educativo, embora seja bastante opinativo (por favor, façam um esforço de entender quando é informação, quando é opinião, minha dica é sempre pesquisar mais e nunca acreditar na palavra de uma única pessoa a não ser que seja a sua avó te dando receita de bolo), vou começar explicando os conceitos de piso e de teto sem falar de arquitetura. Se você já é sabichão ou não quer estudar nada disso agora, pule para o antepenúltimo parágrafo a partir daqui porque lá voltamos na parte meramente comportamental. Mas você vai perder, viu?!

Mudei de ideia! Vamos ter que falar de arquitetura sim. Imagine uma casa: Piso é o chão, teto é o que te impede de chegar ao céu. Se você riscar isso num papel, vai fazer um risco na parte de baixo e outro na parte de cima. Uma parede vai ligar os dois. Beleza? Beleza!

Então o piso é o mais baixo. E o teto é o mais alto. Migrando para o universo dos salários, o piso salarial é o mais baixo que pode existir naquela categoria de profissional. Por exemplo, o piso salarial de um advogado em Brasília é de R$ 2.589,47 por 20 horas semanais, e de R$ 3.862,50 para quem fizer 40 horas semanais (o link está aqui ). Logo, se você é um advogado de Brasília e está ganhando menos que o piso, pode buscar justiça (na prática, muitos não têm sequer o piso estabelecido e mesmo quando têm, aceitam trabalhar mais horas pelo valor reduzido ou ganhar menos mesmo… #tamujunto).

Vê-se que o piso salarial não é a mesma coisa do salário mínimo. O salário mínimo, segundo a querida Wikipedia que está precisando muito de apoio nos últimos dias, é “o mais baixo valor de salário que os empregadores podem legalmente pagar aos seus funcionários pelo tempo e esforço gastos na produção de bens e serviços. Também é o menor valor pelo qual uma pessoa pode vender sua força de trabalho ». Uma curiosidade é que nem todo país possui estabelecido esse salário mínimo, mas nem todo país sem salário mínimo tem um mercado de trabalho desigual. Já alguns países estabelecem diversas regras de salário e remuneração, mas simplesmente deixam com que as empresas desrespeitem essas leis e fazem vista grossa. Ou seja, o que aprendemos com esta observação? Não são as leis que mudam as pessoas e sim o contrário (na maioria dos casos, me lembre de escrever mais sobre isso!).

Bom, mas você entendeu a diferença de salário mínimo para piso salarial. O piso é o mínimo estabelecido para uma categoria profissional específica e varia de acordo com a categoria. O salário mínimo é apenas o valor mínimo que pode ser pago pela hora de trabalho de alguém, cuja categoria não tenha definido um piso salarial diferente (que não pode ser menor que o salário mínimo).

E aí tem o teto salarial. Consegue já imaginar o que é, não? É o limite. Até onde pode chegar o salário de alguém. Isso no Brasil existe apenas para o funcionalismo público por um motivo simples : eles são pagos pelos impostos de todos. Então não dá para o salário crescer sem controle. Já na iniciativa privada, se você for muito sortudo, trabalhar com a coisa que o mundo está querendo, tiver cercado de gente legal e tiver uma noção de timing e oportunidade muito boa, seu salário pode agigantar-se quase sem limites, o máximo que irá acontecer é você pagar muito imposto sobre esta renda (você poderá também escolher aplicar seu dinheiro a mais em boas ideias e projetos para o mundo e essa seria uma forma muito bacana de mostrar que mereceu cada centavo e, inclusive, pagar menos imposto).

O teto constitucional, então, que é apenas para os funcionários públicos, é de 33,7 mil reai. Nada mal! Acontece que muitos funcionários públicos (que variam entre juízes, promotores etc) recebem acima do teto por acúmulo de benefícios. Muitos acúmulos. Alguns chegam a receber quase 100 mil reais. Por mês mesmo! E se defendem dizendo que está dentro da lei, pois são benefícios adquiridos legalmente, não contam como salário. Nessas horas eu lembro da minha professora de Constitucional Simone Diniz que dizia « Nem tudo que é legal, é legítimo ». É simplesmente uma forma triste de driblar o teto constitucional receber essa enormidade de benefícios. Pessoas que moram em palácios recebendo auxílio moradia, auxílio paletó… Pode ser legal, mas é totalmente ilegítimo. Um desrespeito com a população que está do outro lado dos muros destes palácios lutando para sobreviver com o piso, o salário mínimo, a falta de salário, a falta de emprego. Isso me lembra tanto o cenário logo anterior à revolução francesa que acho que essas pessoas deveriam começar a ler mais sobre o assunto.

E por falar em respeito, vamos falar de um conceito que eu estabeleci para a minha vida e quero compartilhar. O de que todo mundo merece, pelo menos, o nosso piso respeitual. Por mais indignos que sejam. Existe um nível que a gente não pode baixar.

Eu e você temos na vida nossas amizades verdadeiras, nossas inimizades e, por óbvio, pessoas desconhecidas que esbarramos no cotidiano. As pessoas, incluindo os inimigos discretos, merecem um nível de respeito que na verdade é a nós mesmos e à nossa sanidade mental. É o « oi » quando chega, a resposta quando te perguntam (educadamente), o não incomodar ninguém desnecessariamente e principalmente o não humilhar ninguém. É isso. O respeito vai aumentando a partir do momento que as pessoas se mostram mais queridas, mais confiáveis, mais tudo que você considerar bom. Mas mesmo quando se mostram meio cretinas, eu decidi que não ia baixar o nível do piso respeitual porque caso contrário a vida em sociedade se torna insuportável. Se preciso for, a gente se vê na justiça, nas salas de mediação (em caso de ataque você tem total direito de defesa, claro!). Mas não quero perder tempo e energia em ficar trocando ofensas com a pessoas que não acrescentam (nem com as que acrescentam! o que seria de mim sem os parênteses?).

Então essa história de merece respeito/não merece respeito/não se deu ao respeito virou balela pra mim. Todo mundo merece respeito, até quem fala balela. Até quem está vestido de um jeito que eu não goste. Todo mundo tem aquele mínimo. Mesmo quem for completamente diferente de mim. E essa parede medidora entre o piso e o teto também tende a ser individual. Alguns conquistam mais respeito pela conduta, outros pela fofura, outros pelo trabalho que realizam, outros até pela forma física. E tem aqueles que mantêm-se lá, no básico, no medíocre… Desses eu continuo olhando nos olhos, mas não rio das piadinhas.

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Conheça outros projetos meus:

Vista da Cidade – projeto em colaboração com amigos para aprender, trocar ideias, apreciar cidades e ajudar a mudar a nossa.

Bom dia de tia – projeto inspirado nas imagens de bom dia que minha tia manda! Falo da história do mundo ocorrida naquele dia!

Direito é Legal no Youtube – há um tempo passei da ideia de falar apenas de Direito para falar de tudo que me interessava e que de alguma forma penso que possa contribuir. Alguns vídeos também passam do meu stories para lá @diorelak

Minha coluna na Review – Review é um portal de slowliving comandado pela minha Bruna Miranda, pessoa que hoje é uma grande amiga. Há quase dois anos comecei a escrever uma coluna no espaço virtual e no guia físico deles! O slowliving é uma forma de viver mais leve que estou aprendendo com o tempo. Escrevo sobre o que tenho observado, aprendido e sobre esse processo.

 

 


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