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Fashion Revolution Day porque perdemos a noção

24 abril, 2015

Chegamos a 2015 com uma dificuldade: Perdemos a noção da cadeia de produção das coisas. Não sabemos que dentro do nosso hamburguer existem mais de 200 vacas diferentes e nem sabemos de onde elas vieram, e o que comeram, e a que tratamento se submeteram. Não sabemos que o bizerro é desmamado 24h depois de nascido para que sua mãe produza leite até ferir e depois seja também encaminhada para a mesma fábrica do hamburguer. Não sabemos nem se no hamburguer toda a carne é apenas bovina. As vezes preferimos não saber.

Além disso, não sabemos se o medicamento que a indústria farmacêutica nos indicou para o colesterol alto é realmente o melhor que poderíamos fazer pelo nosso colesterol. Ou se o exame que o médico nos recomendou é realmente necessário para detectar uma coisa que nem existia antes. As vezes preferimos nem saber.

Perdemos a noção do que é válido e do que não é. Por que nosso celular é construído por uma criança? Ele ficaria muito mais caro se fosse construído por uma pessoa preparada para isso? E por que nossos aparelhos eletrônicos estão programados para não funcionarem depois de cerca de dois anos de uso? Por que nossos sapatos só duram uma estação? E por que tantas empresas ostentam suas marcas consideradas “chiques” quando têm por trás de sua fabricação famílias inteiras trabalhando mais de 12h por dia, sem horário de almoço, sem dinheiro para sustentar seus filhos, num ambiente completamente insalubre e muitas vezes em condições análogas às de escravos.

Será que se a gente conhecesse todas essas histórias continuaríamos consumindo da forma que consumimos? Será que se a gente tivesse opção, aceitaríamos pagar um pouco mais caro por um produto que não tem tristeza em sua história?

Na França é possível comprar ovos de acordo com a qualidade de vida das galinhas. O nível varia desde muito ruim (galinhas engaioladas) até muito bom (galinhas livres e felizes no quintal). A diferença de preço é de centavos e mesmo assim muita gente dá preferência pro ovo da galinha engaiolada.

Outra questão é que apenas as galinhas receberam esse tratamento diferenciado para seus ovos e tão somente para os ovos. A carne delas continua uma incógnita, como a carne de todos os outros animais. O leite também é gerador de muitas questões. Assim como seus derivados e todos os outros produtos na prateleira e nas diferentes seções do supermercado, da loja de departamento, do free shop, da farmácia.

Precisamos mesmo que um cachorro seja aberto para a gente ter um produto pra pele? Precisamos intoxicar e adoecer todas as abelhas do planeta para continuarmos produzindo mel? Precisamos impor para as mães a alimentação de seus bebês com produtos caríssimos quando elas mesmas produzem o que de melhor poderiam oferecer-lhes?

Por que nos tornamos consumidores de uma fabricação que tortura e maltrata tanto humanos como animais?

E mais, por que como advogados ainda nos confrotamos com condições absurdas de trabalho que limitam a advocacia a uma produção em série que parece perder o sentido, desacelerando a justiça e diminuindo os avanços nas negociações, acordos, prevenções e até mudanças legislativas?

Sinto que perdemos uma noção importante de valores básicos do ser humano. Por mais que queiramos que tudo seja correto e ético, o fato de ficarmos cegos às cadeias de produção nos torna agentes dessa indústria que promove tragédias tanto humanas quanto ambientais.

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No dia 24 de abril de 2013, uma dessas tragédias ocorreu em Bangladesh, numa fábrica têxtil com milhares de funcionários trabalhando em condições completamente avessas à segurança de trabalho e à sua qualidade. 1127 vidas (no mínimo) foram perdidas e desde então, todo 24 de abril  é promovido o Fashion Revolution Day, um dia para se perguntar “quem faz as nossas roupas”? Claro que essa pergunta pode ser estendida para tudo. Não conhecemos mais nada do que se passa antes de digitarmos a senha do cartão. Achamos que os autores estão recebendo corretamente a comissão pelos livros que escreveram. Temos a impressão que o viaduto foi bem calculado pelo engenheiro que o fez, e que foi construído com materiais resistentes e por razões legítimas para o bem da população. Pensamos que as batatas fritas estão com uma quantidade de sal aceitável para o nosso organismo. Cremos que o refrigerante da garrafinha plástica não ficou ao sol até o plástico virar uma toxina perigosa. Mesma coisa para os brinquedos infantis. Entendemos que a gasolina chegou de forma ética até o posto e não sofreu nenhuma mixagem. Pensamos que muitas empresas cresceram porque são boas de serviço e dedicadas e não porque massacraram seus concorrentes promovendo a forma mais abusiva e desleal de produção.

É difícil observar como hostis as produções se tornaram, mas não precisamos nos conformar com elas. Temos muita gente boa motivada a mudar isso, com ética e conhecimentos. As mudanças não irão acontecer de uma vez, mas talvez aos poucos a gente possa começar a escolher melhor e principalmente exigir mais, tanto das empresas, quanto de quem as controla.

Penso que não queremos mais servir a essa máquina. Queremos?

Que este dia sirva para a gente refletir.

“Quanta coisa existe que eu não preciso para ser feliz”. Sócrates

Mais:

Página oficial sobre o Fashion Revolution Day

Lista de empresas que usam trabalho análogo ao de escravo

Cinco Filmes críticos à indústria farmacêutica

Lista de empresas que NÃO testam em animais

Advogada Associado é considerado o profissional mais infeliz em 2012

Um pouco sobre o Minimalismo

Produzimos lixo demais

Movimento #poenorotulo para entender o que comemos e o que estamos oferecendo para as crianças

Alguns documentários e vídeos que recomendo: 

Os homens e as abelhas – documentário sobre o adoecimento de todas as abelhas do mundo e seus reflexos

Obsolescência Programada – documentário sobre a durabilidade imposta aos produtos

Muito Além do Peso – documentário sobre a cultura da alimentação sem noção

Documentário sobre blogueiros de moda convidados para conhecer a indústria fashion na Ásia

Documentário sobre o tingimento de roupas que destrói os rios

Emissão Francesa que resolve várias dúvidas sobre a vida alternativa e o mundo secreto das empresas

Vídeo do VEDA #24 Direito é Legal sobre o assunto

Ps. Nenhum desses documentários indicados tem cenas de tortura porque não precisamos ver, saber que existem é suficiente.

PS2. Essa foi a 300a postagem no blog Direito é Legal! \o/

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