A maioridade, a maioria e os maiorais

Hoje eu tive um pequeno desprazer de ver circular de novo uma lista mentirosa na internet. A postagem  inventa uma mentira sobre as maioridades penais em países considerados desenvolvidos. Inventa por exemplo que na França a maioridade penal é de 13 anos, sendo que não, é de 18 anos. A responsabilidade criminal é de 13 anos, assim como no Brasil é de 12.

Além de contar essa lorota, abaixo da lista ainda vinha com uma “reflexão” mais ou menos desse jeito: Se todo o mundo está fazendo assim, por que a gente se consideraria melhor de fazer diferente ?

Bom, vamos lá. Não vou adentrar novamente na discussão sobre a maioridade penal. Esse assunto foi tema de texto e vídeo aqui no Direito é Legal além de tantos outros lugares. A única questão que quero comentar é que ainda hoje tem gente que acha que não ser a favor da redução da maioridade penal é ser a favor da impunidade. O que não, não faz sentido. A punição para crimes cometidos por adolescentes está prevista no ECA, inclusive com reclusão. Se não é realizada, essa é outra história e deve ser analisada. Mas quando é realizada, tem tido grande êxito, muito melhor que os dados de punições realizados pelo sistema penal, carcerário, que praticamente forma os detentos para crimes piores (sistema esse que mereceria passar por uma grande reestruturação a meu ver). Queremos impunidade? Não, não queremos, queremos adequação. Certo?! Vamos continuar.

A questão proposta no fim da postagem. Aquela que diz que,se a maioria do mundo faz, deve estar certa. Bom, a primeira coisa é que desde o início os dados estão errados. Os dados confundem responsabilidade penal com maioridade penal, talvez por ignorância, talvez por má fé mesmo. Então, nem haveria mais o que discutir, mas ainda que fosse verdade, ainda que muitos países pensassem assim: Desde quando o que a maioria faz é forçosamente sinônimo de certo?

Este tipo de pensamento acaba sendo um convite para o fim da diversidade, da criatividade, da inovação. Se a gente levasse isso a sério, todos teríamos a mesma religião, os mesmos hábitos, mesmos prazeres, mesmas leis dos primeiros seres dominantes da Terra. Afinal, eles eram a maioria e eles faziam assim. Ninguém poderia ser diferente. Adeus, casamento homossexual, adeus inclusão de qualquer minoria, adeus inclusive surgimento de novos pensamentos, novas formas de agir, novas tecnologias. Adeus tudo que muda ou aceita mudança. Que vença a vida em massa. A cópia.

Se seu colega pular da janela, você vai pular atrás?, perguntava minha professora sempre que um colega apontava o outro para culpar a repetição de uma travessura. Ele fez primeiro, professora. Isso não é desculpa para agir.

Mas imitar nem sempre é ruim. Não, não mesmo. É funcional estudar as experiências alheias. Mas imitar com mais inteligência que só copiar mesmo. Por exemplo: Fulano tinha problemas para dormir, comprou um travesseiro de sementes e passou a dormir melhor. Se eu tiver problemas para dormir, posso tentar fazer como Fulano e ver se durmo melhor. Mas se o meu problema não for travesseiro e sim bruxismo, o que preciso é de uma placa de contenção pra resolver, não de travesseiro. Entendeu?

Observo que em escalas maiores também podemos fazer isso. O país X tem graves problemas de violência. O país X tem x características. O país X desenvolve um método de combater a violência de acordo com suas características e seu povo. O método funciona. Que legal, vamos estudar isso e ver o que dentro daquele método pode se aplicar para o nosso país que tem outras características, algumas melhores, outras piores, mas outras.

Alguma coisa das minhas aulas de Química ficou guardada. E uma delas foi entender que diante de compostos diferentes, as reações são diversas usando a mesma fórmula. Para ter a reação igual, todas as características devem ser iguais.

Mas falar isso não quer dizer limitar nossa capacidade de aperfeiçoamento, de redução da violência, de melhorias na educação. É apenas um alerta para indicar que devemos analisar os múltiplos fatores deste nosso composto, não apenas uma lista que, inclusive, vem com um monte de inverdades.

Vou brincar aqui com uma ideia: Suponhamos que a gente admire muito a disciplina Japonesa. E como admiro! Podemos sim tentar aplicar vários pontos da disciplina japonesa na vida cotidiana, como ensinar as crianças a limparem o que sujam, por exemplo. Mas para um resultado idêntico (se é que precisa ser idêntico) teremos também que abolir diversos outros pontos de características nossas. Um deles, por exemplo, nossa mania de abraçar os amigos (!). E só um comentário, a maioridade penal no Japão é maior que no Brasil (fontes abaixo).

Tudo isso só pra concluir que é fácil ver que nem tudo que os outros ou a maioria faz é absolutamente correto. Mas sendo maioria deve ser respeitado (respeitado, não seguido) por, pelo menos, quem está no meio deles. Principalmente quando é lei (e concordo que isso se discute). No caso da maioridade penal, o Brasil tem a soberania necessária para decidir por si o que considera (o que a maioria dos parlamentares considera) melhor.

E, claro, os dois lados tem argumentos fortes, o que não precisa é de inventar mentiras para convencer eleitores.

E tem mais uma coisa que não precisa. Numa discussão de ideias e experiências, ninguém precisa gritar, agredir e ofender para fazer-se entender. Aliás, isso só empobrece a troca. Desnecessário ver maiores de idade esperneando como menores para tentar convencer uma maioria de que são os maiorais. Ora, francamente.

Mais:

Idades de maioridades penais pela Wikipedia

Idades de maioridades penais no mundo pelo site do Ministério Público do Paraná

Diferença entre Maioridade Penal e Responsabilidade Criminal

Vídeo meu sobre o assunto no VEDA de Abril

Qual é a hora de crescer? – texto do Direito é Legal

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3 Respostas to “A maioridade, a maioria e os maiorais”

  1. Se todo mundo pular a janela você vai pular também? | saída à francesa Says:

    […] de hoje fala sobre seguir a maioria, seguir a multidão e o que penso sobre a necessidade disso. O texto de hoje foi parar no meu outro blog e adoraria que você passasse por lá. Aliás, só falta você, todo […]

  2. Lucas Ávila Says:

    Clap, Clap, Clap. É como a classificação “pessoas de bem” que se dissemina e é utilizado em discursos inflamados nestes temas polêmicos de hoje em dia para invocar um, sei lá, argumento que você não pode ir contra sob pena de ser uma “pessoa do mal”.

    Até cansa pensar nisso.

  3. A maioridade, a maioria e os maiorais | escrevo.me Says:

    […] Continue a leitura aqui. […]

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