Semana passada recebi um convite para o Lançamento do livro “Novas Tendências do Direito de Família”. Como tenho me interessado por esse tema, pedi para entrevistar a Renata Malta Vilas Boas, uma das autoras do livro. Renata é advogada e professora desde 1994. Mestre pela UFPE. Ela tem outros sete livros publicados, além de centenas de artigos jurídicos (meio impresso e eletrônico). E ela foi superatenciosa e aceitou na hora! Segue o resultado!
1) O que te atrai no Direito de Família? Por que escolheu seguir essa área?
O Direito de Família, certamente, é um dos ramos do direito mais apaixonante que temos. Trata de forma direta da vida das pessoas. Dos seus amores e desamores. Nesse espaço, podemos acompanhar o desenvolvimento da sociedade brasileira, seus avanços e seus retrocessos.
Possivelmente o Princípio da Solidariedade é o que tem de mais bonito dentro do Direito de Família, que se exterioriza quando as pessoas juntas ajudam umas às outras e com isso o indivíduo cresce, a família cresce.
Escolhi essa área por paixão. Por verificar como as pessoas estão feridas e magoadas em suas relações e que por isso precisam de um porto seguro para seguir em frente. O término de um relacionamento, via de regra, é muito doloroso, e no direito de família, podemos auxiliar nesse momento de angústia que elas estão vivendo. Podemos ser o porto seguro para a solução dos problemas jurídico-familiares que elas estão vivendo.
2) E o que te repele no Direito de Família?
Os relacionamentos baseados no poder e no ódio. A questão da dominação do marido e a submissão da esposa, que apesar do avanço jurídico, ainda não teve grande repercussão na sociedade brasileira.
E ainda, a utilização do direito como moeda de troca nas relações afetivas.
3) O Direito de Família vai muito além de uma disputa por bens. Você tem visto a mudança do papel do homem na família moderna sendo observada nesse âmbito?
Os papéis masculinos e femininos estão sofrendo profundas alterações. Enquanto no passado recente, ao homem era reservado o papel de provedor e a mulher era considerada a “rainha do lar”, com o ingresso da mulher no mercado de trabalho, esses papéis começam a ser revistos.
Antes o homem não interagia com seus filhos, e hoje, os homens buscam conhecer e interagir com a sua prole.
A antiga distribuição de papéis não atende mais ao homem nem à mulher moderna. Eles querem compartilhar tudo, dividindo a responsabilidade pelo sustento da casa, bem como a responsabilidade pela criação dos filhos.
A igualdade atribuída aos cônjuges/companheiros, faz com que todos fiquem na mesma posição dentro de um lar, não devendo mais existir a ideia do cabeça do casal. Com isso as responsabilidades são compartilhadas. Mas ainda é preciso caminhar para que essa conscientização ocorra em todo o território nacional.
4) Você decidiu escrever um livro sobre novas tendências do Direito de Família. Quando estava escrevendo, pensava em um público específico para ler? Pensava em algum caso que poderia ter tido uma melhor solução se esse conhecimento estivesse em mãos?
O livro é voltado inicialmente para aqueles que atuam na área de direito, contudo, refletem situações do dia-a-dia das pessoas. Assim, apesar de tratarmos de temas jurídicos. Esses temas surgiram em decorrência da própria sociedade e do que vem acontecendo.
Assim, se na medicina não se tivesse desenvolvido a possibilidade de fertilização in vitro, de reprodução assistida não estaríamos nos deparando com os artigos da Rebeca e da Beatriz, pois o artigo desenvolvido pela Beatriz refere-se exatamente sobre a maternidade em substituição. Assim, médicos deveriam também ler esse artigo para verificar como está a repercussão dos seus atos no ordenamento jurídico. Da mesma forma o artigo da Rebeca que trata da sucessão legítima do fertilizado post mortem. Ou seja, se a medicina não tivesse avançado e permitido a reprodução assistida não estaríamos diante desse novo e do questionamento de suas consequências.
Tenho certeza que quanto maior o conhecimento, melhor são as ponderações para chegar a um resultado final. Assim, na medida em que os julgadores passam a ter acesso a esses novos pensamentos fica claro que o universo de possibilidades para julgar amplia-se e sim, com certeza, o resultado poderia e pode ser diferente.
O artigo que trata do divórcio liminar, por se tratar de um direito potestativo. Já temos algumas decisões na Bahia e em São Paulo, seguindo essa tendência, contudo nem todos os magistrados tiveram acesso a essas novas decisões, a essas novas visões e continuam decidindo como antes. Assim, com a leitura do artigo, o magistrado estará melhor assessorado para decidir, podendo inclusive manter-se contrário a essa novidade, porém, agora precisará arranjar uma nova fundamentação para descartar essa novidade.
5) O que veio primeiro: o título ou o livro ? Explico: Primeiro você pensou que faltava um livro sobre tendências do Direito de Família ou primeiro você fez um apanhado de pesquisas e percebeu que isso seria um bom livro ?
O livro surgiu primeiro e posteriormente o título. Na realidade, ao analisar o material que tínhamos em mãos verificamos que tratava-se de uma série de visões novas sobre o direito de família.
O conceito antigo de família não tem mais espaço em nossa sociedade, mas para onde estamos caminhando?
Assim, a série de artigos que apresentamos traz essa visão do novo. São jovens juristas que trazem novos questionamentos e buscam a respostas a essas inquietações.
Por exemplo, a inquietação de Carolline foi no sentido de responsabilizar civilmente aquelas mulheres que afirmam ao marido ou ao companheiro que a criança é sua, contudo sabem que pode não ser. É justo ou não que o marido, assumindo essa paternidade, descubra posteriormente que na realidade não é o pai daquele menino, e seja indenizado por isso?
Já a inquietação de Camila é no sentido da multiparentalidade. Ou seja, ter vários pais (dois pais e uma mãe, duas mães e um pai, dois pais e duas mães, etc.) é o melhor para a criança? Isso atende ao princípio do melhor interesse linha mestre do direito das crianças e dos adolescentes?
Ou seja, cada capítulo do livro versa sobre um aspecto das novas tendências: assim, guarda compartilhada, multiparentalidade, gestação em substituição (barriga de aluguel), dentre outros, são temas abordados na obra.
6) Este é o volume 1, quantos serão?
Quantos serão ainda não sei. Pois dependo dos colaboradores, contudo, a ideia é que não iremos parar… Pois inovações sempre há !
7) Quais os três melhores livros de Direito de Família que você já leu?
É difícil escolher…
Vou começar pelo mais antigo que eu li, ainda no tempo da faculdade:
A Cidade Antiga – Fustel de Coulages: Essa obra é um clássico e todos deveriam ler. Não só os estudantes de direito. Todos! Trata-se do início das famílias, a sua formação. Assim, o que hoje vemos nas festividades de casamento, nada foi inventado atualmente, mas sim tudo foi recriado. E a origem está lá, no início de nossa civilização.
Recentemente me deliciei com os casos da Vara de Família relatados pela Juíza Andréa Pachá no livro A vida não é Justa. Recomendo também a todos. Esse livro relata os encontros e desencontros presenciados por ela em sua atuação como magistrada. São tragédias e comédias relatados com uma leveza ímpar, e onde podemos perceber a essência do ser humano em cada um desses causos.
No final do ano passado foi lançada a obra A morte inventada: alienação parental em ensaios e vozes, obra organizada por Alan Minas e Daniela Vitorino. Esse tema, alienação parental tem assombrado as varas de família e diversas famílias brasileiras estão sendo destruídas em decorrência da alienação parental que vem ocorrendo. É um livro marcante que recomendo, mesmo porque, percebe-se que muitos tem agido como alienadores e nem percebem que estão fazendo isso… E caso não tenha tempo para ler a obra – recomendo que assista ao menos o filme que leva o mesmo nome.
8) O que tem se buscado na nova jurisprudência do Direito de Família ?
Precisamos ver que o judiciário como um todo demora a acordar para as novidades, assim, as novidades vão acontecendo aos poucos de norte ao sul do país. E normalmente o Rio Grande do Sul tem um grande destaque nessa área .
As decisões estão mais voltadas para o caso concreto para a busca da realização dos indivíduos, os magistrados buscam na conciliação, na mediação, uma forma de solucionar a lide existente.
9) Quais são os grandes desafios desta área ?
O descompasso legislativo com a realidade da sociedade brasileira. A sociedade caminha num sentido ao passo que o que temos em termos legislativos ainda não abarca uma parcela considerável da sociedade.
Por outro lado, defende-se a mínima intervenção do Estado nas questões do direito de família. Por que tudo deve ser positivado? Por que colocar o amor e afetividade dentro da norma?
Assim, achar um meio termo entre esses dois pontos é que o grande desafio da área de família. O que normatizar? E como normatizar?
10) Você pode citar um exemplo que comenta no livro de algo que tem mudado nos últimos anos ?
O livro trata das novas tendências e escrevi sobre o divórcio liminar e a alteração de entendimento do que é o próprio divórcio.
Antes da Emenda Constitucional 66/2010, para requerer o divórcio era necessário preencher requisitos, hoje esses requisitos não existem mais. Com isso, o que era um pedido formulado e que , portanto, poderia ser negado, hoje o entendimento é de que se trata de um direito potestativo. Ou seja, basta que um não queira para que o divórcio seja concedido. Não existe mais a obrigação de permanecer casado.
11) Uma pergunta que pode parecer distante do tema, mas não é : como especialista no assunto, para você, é muito arriscado para a “felicidade” formar uma família nos dias de hoje ?
Se você projetar a sua felicidade no outro, então sim. É arriscado formar uma família. Se você projetar a sua felicidade como sendo uma série de momentos. Então não.
Família não é foto de porta-retrato. Família é vida. É emoção, é intensão, é superação.
Na família ideal as pessoas são felizes, pois uma não depende da outra, uma não usa/abusa da outra. Mas sim companheiras, e querem ver as pessoas crescerem juntas.
Contudo, em algumas famílias ao invés de ser cultivado essa ideia de união, solidariedade, vemos o confronto, a briga pelo poder (quem pode mais), a competição e desunião. E aí nesse caso, a família está doente e é arriscado formar e manter uma família assim.
12) Conte um pouco da sua experiência na área.
Iniciei pela paixão e é a paixão que me move até hoje. Simplesmente adoro o que faço. Assim, o ritmo atribulado do dia-a-dia acaba não me abalando.
Contudo precisamos ser, diariamente, fortes. Nem sempre as coisas funcionam como gostaríamos, e assim, é necessário superar obstáculos continuamente. Mesmo com toda a indignação não se pode deixar abater.
Agradeço muito à Renata!
Se você quiser conhecer o trabalho dela, dê um passadinha no Carpe Diem – CLS 104 – Brasília – DF, no dia de 10 de março de 2015, a partir de 19h.
Tags: alienação parental, direito de família, entrevista, família, tendências do direito
Comente